14/03/2017

Pausa para Aproveitarmos o Por-do-Sol


Ele dizia que eu era a parte singela da vida dele; que tudo era sempre complicado e corrido, mas que quando estava comigo, era como se eu tivesse um tipo de poder de desacelerar o tempo e que ele podia se sentir mais confortável pra aproveitar de fato, o próprio respirar. Bom, sempre achei isso uma declaração linda de amor, mas nunca levei a sério. Sempre pensei também que ele dizia isso simplesmente porque cresceu comigo e me conhecia tão bem... quero dizer, eu sempre fui alguém em quem ele confiou e se sentiu muito a vontade. 
Mas um dia, como tantos outros parecidos como aquele, mas um dia em específico em que eu estava cansada mentalmente, com a cabeça cheia... Ele apareceu de surpresa na minha casa. 

-O que você está fazendo aqui hoje? -Eu perguntei estranhando já que não era sexta de filme e nem sábado ou domingo.
-Não posso te visitar numa quarta feira? -Ele se recostou na porta do meu quarto. -Sua mãe disse que você está precisando sair um pouquinho. Quer melhor companhia que eu mesmo?! -Ele sorriu pra mim.
-Minha mãe? 
-Eu liguei pra falar com você. Depois de mandar umas 100 mensagens e te ligar umas 5 vezes, liguei pra sua casa. Pelo menos sua mãe não me deixou no vácuo. -Ele se fez de coitadinho
-Não posso sair... -Eu disse pensando nas milhões de coisas que tinha que estudar.
-Eu sei, eu sei. Aposto que avançou umas cinco páginas do TCC e conseguiu dar uma revisada nas matérias. Ah, e ainda fez o exercício de idiomas. -Ele foi irônico, pois sabia exatamente minha dinâmica para estudos. E com certeza não era aquela.
Eu apenas sorri de lado. 
-Eu vou esperar você se ajeitar. Vou te levar pra respirar ar puro. -Ele piscou e desencostou da porta.
-Quem é você? Meu namorado? - Eu estava impressionada com a convicção em cuidar de mim que ele vinha tendo de uns tempos.
-Não, mas quem sabe? Quem sabe seu namorado tenha ciumes de mim?! Seria ótimo. 
-Não mesmo! -Eu sorri e fechei a porta. 
-Não é pra demorar, não vamos ao Oscar. -Ouvi ele gritar do outro lado da porta. 
-Porque eu realmente sou dessas... -Ironizei ja que não sou de me arrumar tanto.

Eu só coloquei meu jeans, vesti meu moleton vermelho e meu tênis de todo dia.  Ele me levou pra uma praia que tem na cidade onde do outro lado da orla é repleta de restaurantes que sempre frequentamos em comemoração de aniversários de nossos amigos. Na beira do caçadão da praia também tinha vários carros que vendiam cachorros-quente... É uma praia tranquila, raramente usada para banho. E a noite, sempre tem alguém gente caminhando pela orla. Mas era final de tardinha ainda. O movimento noturno por causa dos restaurantes ainda não existia, nem os carros de cachorro-quente ainda haviam chegado. Tinha apenas pessoas correndo ou passeando pelo calçadão.

Ele estacionou o carro e disse "Bora lá!" Eu sabia que ele não era de falar isso, mas estava usando meu jargão para me deixar mais a vontade. Já com os pés na areia, caminhando, ele me perguntou:

-Porque você parece tensa?
-Você sabe, eu não tenho conseguido me concentrar o suficiente com os estudos. Estou sem emprego... Não sei se estou fazendo meu melhor pra ajudar minha mãe.
-Não... Agora! Você está tensa, como se não me conhecesse. -Ele me sacudiu. -Tá presa, não parece você.
-Ah... -Eu fiquei mais tensa ainda por entender sobre o que ele falava. -Não estou nada!
-Pára né? Você acha que não conheço a linguagem do seu corpo?

Olhei pra ele imediatamente com uma sobrancelha levantada. Do que ele estava falando? Soou muito estranho aquela frase. Dei-lhe um tapa no braço. Mas disse rindo.

-Do que você está falando? Eu estou normal. - Dei passos mais largos pra ficar um pouco a frente e me recuperar da vergonha que por alguma razão eu estava sentindo.

Conhecendo ele como conheço, é quase certo que ele tenha olhado pra baixo e sorrido de mãos nos bolsos antes de me acompanhar. Ele não era besta, ambos sabíamos que aquela frase ficou mesmo estranha para o tipo de relação que tínhamos, mas até ele só reparou nos vários sentidos possíveis para aquela frase depois que já tinha dito. Mas não voltamos nesse assunto naquele dia.

Eu estava mesmo tensa ou envergonhada, mas não sabia explicar o porquê. Hoje eu sei. Naquele dia eu tinha, em fração de segundos, relembrado todos os momentos que ele cuidou de mim. Do como ele sempre me protegeu e me ajudou. No início como um grande cavalheiro, mesmo criança. Depois como um amigo e irmão mais velho chato. Mas não só a compilação de todas essas memórias, mas também a pergunta que fiz não sei porque razão: "Quem é você, meu namorado?" Em algum lugar do meu subconsciente já pensava que talvez eu o visse mais do que como irmão mais velho ou amigo?

Admito que ele estava agindo normalmente comigo, mas por vê-lo com outros olhos naquele dia, eu me sentia como em um encontro planejado por alguém apaixonado secretamente por mim. Sim, uma cabeça feminina pode viajar muito a esse ponto. Por isso, respirei fundo ao me sentar do lado dele na areia, de frente para o mar e me convencer de que eu estava exagerando. Respirei fundo mais uma vez e aproveitei o espetáculo que estava pra começar. Não falei mais nada e ele também não.

Ficamos em silêncio por um tempinho só aproveitando o por do sol naquele início de inverno. Nós não tinhamos nenhum problema em ficar em silêncio juntos. Muitas vezes fazíamos isso e as vezes até preferíamos ficar assim. Foi ele quem quebrou o silêncio dessa vez:

-É por isso que falo que você tem poderes mágicos. Acho que não conseguiria desacelerar pra respirar tão fundo e olhar cada detalhe dessa paisagem sozinho ou com outra pessoa. - Ele não olhou pra mim ao dizer. Eu estava olhando pra ele.
-Conseguiria sim. -Eu disse mais do que por modestia.
-Pode ser. -Ele deu de ombros. -Mas no momento é você quem tem esses poderes.
-Então você tem me usado esse tempo todo só por isso? -Brinquei
-Sim! É o que mereço como recompensa por te salvar sempre. -Agora sim ele olhou pra mim. Sustentei o olhar, mas dessa vez com menos convicção do que das outras vezes. Não respondi de imediato. Sorri apenas por pensar nas vezes que ele me salvou e que de certa forma, o que ele disse tinha cabimento.
-Como hoje. -Eu concordei, voltando a olhar para o mar.
-E sempre que precisar. -Ele me empurrou com os ombros.

Naquela hora só conseguia pensar que no momento em que ele arrumasse uma namorada de verdade, ele não estaria exatamente "sempre" cuidando de mim. Ele teria que cuidar dela! Pensei também que meu namorado teria motivos para ter ciumes dele, caso eu tivesse um... E como se ele escutasse meus pensamentos ele resolveu dizer:

-Por enquanto vamos só aproveitar isso. - Disse ele com um sorriso se referindo ao nosso momento junto.

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