Eles tinham acabado de comprar aquele apartamento. Não tinha
muitos móveis e os poucos que tinham ainda estavam em lugares provavelmente,
não definitivos. Tinham se mudado a apenas uma semana e as coisas no trabalho
dele estavam complicadas. Ele precisou despedir um amigo que na verdade o
ajudou a crescer na empresa e ainda estava se sentindo mal, conhecia a situação
do amigo e não sabia como podia ajudar. No trabalho dela, tudo estava normal e
como de costume ela chegava às cinco e meia, tomava banho e ia direto ajeitar a
janta e um pouco da casa (que ainda havia muito o que fazer ali). Ele chegava às sete pra jantar com ela. E então
lhe contou como estava se sentindo. Ela
procurou dizer algumas palavras de conforto e distraí-lo com outros assuntos, e
conseguiu por um tempo, mas logo ele se lembrou novamente.
Já era tarde da noite quando ela terminou seus afazeres e
foi pro quarto onde Ele estava há mais e uma hora. No quarto havia apenas o
colchão de casal no chão, uma cadeira
com algumas peças de roupa que ficaram pra passar, um criado mudo ao lado do
colchão com um telefone e um relógio e
próximo à janela, o teclado dele, em que ele tocava uma música triste.
Estava ventando forte naquela noite, iria chover durante a
madrugada com certeza. A janela estava aberta fazendo com que o frio invadisse
o quarto e balançasse a cortina que tinham colocado naquela semana. Ela entrou no quarto já de camisola e com a
caneca de café na mão e um livro. Ao se deparar com aquela cena, apoiou o livro
e a caneca no criado mudo, fechou a janela e as cortinas e fez carinho nos
ombros de seu marido e deu um beijo em seu pescoço.
- Ainda está triste pelo Carlos?
-Estou pensando como posso ajudar. Me sinto mal em não poder
fazer nada pra alguém só me ajudou. Se estou na posição que estou é porque ele
investiu em mim.
-Você disse que ele ficou chateado com você?
-É, ele disse que eu poderia fazer mais por ele, se eu quisesse. –Ele ainda tocava devagar as notas
Ela então o virou de frente pra si, mas apesar de parar de
tocar, era como se ainda houvesse alguma melodia no ambiente. Quando ele olhou
pra ela, os olhos dela brilhavam e ela sorria como se soubesse de algo que ele
não sabia.
-E você pode mesmo. –Ela disse segurando em sua mão e
puxando pra perto de si para os dois ficarem de pé.
Ela segurou em uma mão dele e a outra passou pelas costas.
Ele fez o mesmo e começaram a balançar juntos.
Ela continuou:
-Vamos orar por ele. Deus com certeza tem algo melhor pro
Carlos fora daquela empresa. Não vai desampara-lo ainda mais se orarmos por
ele. –Ela encostou a cabeça no peito de seu marido e subiu em cima de seus pés
para deixar que ele conduzisse os dois ao som da melodia que estava ali
acalmando o coração dele, como se alguém ainda estivesse tocando. -Olha só pra gente, pra nossa casa... Aos pouquinhos tudo se acertou entre nós, aos pouquinhos tudo está se acertando aqui pra casa, não é? Orar sempre resolve.
Como ele não respondeu nada, ela apenas acrescentou
sorrindo:
-Quando não podemos fazer mais nada, ainda podemos fazer
duas coisas: Orar e confiar em Deus. –E sorriu por lembrar-se de uma época em
que precisou mesmo fazer isso. –Eu sei que o Senhor vai te dar uma dica de como
ajudar o Carlos, meu amor. –E finalmente olhou pra ele de novo. Ele sorriu,
acariciou seu rosto e a beijou.
-Não fica triste ou se culpando por isso. –Ela também fez
carinho nele. –Carlos vai ver que você é grato pelo que fez por ele.
Eles pararam de se balançar e ela já não estava mais sobre
os pés dele. Ele sorriu deu um sorriso de canto, mas ainda não disse nada. Ela
foi até o colchão e se sentou perto do criado mudo. Pegou o livro que trouxe
consigo e o abriu, ainda com aquele sorriso de quem sabia de algo bom, mas não
podia contar tudo. Ele ficou parado, só observando-a.
-“Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o
Senhor; pensamentos de paz e não de mal, para voz dar o fim que desejais”
Jeremias 29.11 –Ela olhou pra ele. –Ele sabe o que faz! Levou o Carlos até lá
pra te ajudar a crescer na empresa e colocar na vida dele, um homem de Deus,
lindo e dedicado (que por sinal é meu marido) –Ela ri. –Mas quem sabe porque
ele saiu agora? Deus tem planos pra vocês dois. Ele sabe o que faz! Vai dar
tudo certo, ta bem? Pra você e pra ele! –Ela pegou a caneca e bebeu um gole do
café, sem tirar os olhos dele.
Ele sorriu de verdade agora e foi até Ela. A abraçou, disse que a amava e por isso tinha se casado com ela, se
jogou em cima dela, a encheu de beijinhos e riram. Por fim, ele se sentou recostando
na parede envolvendo ela que estava recostada nele, ambos já cobertos. Depois de um tempo ele perguntou baixinho.
-Ta ouvindo? –Ele fazia carinho nela
-To. Começou a chover. –Ela sorriu de olhos fechados, já com
sono, sentindo o carinho. Ela amava o barulho de chuva.
-Não. Ainda parece que tem uma melodia no ar. –Ele ri como
se aquilo fosse uma besteira.
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